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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Orlando e Lourival

Meu avô Orlando Dantas, que na última quinta-feira completaria 100 anos, era uma figura interessante. Explodia com certa facilidade, mas não guardava qualquer rancor. Cinco minutos depois de um “baita” carão, já sorria tranqüilamente. Não guardava, raivas nem ressentimentos. Quem sabia “levá-lo”, conseguia tudo. De maneira geral era um crédulo. Acreditava nas pessoas. Admirava as pessoas. Dos políticos, quem melhor sabia “enrolar” o Velho era Lourival Batista. Do caso que vou contar, por exemplo, fui testemunha ocular.
No início dos anos 70, eu ainda era um adolescente, e meu avô Orlando morava na rua de Pacatuba, na casa da esquina com a Praça Camerino. Tinha como vizinho o famoso pediatra e seu grande amigo, Dr. Machado. A casa onde meu avô morava, é hoje uma galeria de lojas, mas lembro-me bem como era. Era uma casa grande, antiga, pintada de bege. Havia uma varanda pelos fundos, que dava para a Praça Camerino. Como na parte da tarde a varanda era bem fresca, era esse o refúgio preferido de Seu Orlando. Ficava lá, lendo em sua cadeira de balanço, ou conversando com alguém.
Não recordo mais do motivo, mas Seu Orlando estava furioso com Lourival Batista, então Senador. Quando Lourival foi deputado, já haviam brigado. Seu Orlando o chamava de Deputado Caça e Pesca. Depois fizeram as pazes. Quando Lourival foi governador, as relações entre os dois foram relativamente tranqüilas. Mas, nessa época, Seu Orlando estava possesso. Havia feito dois editoriais do tipo arrasa quarteirão contra o senador, e prometia mais três, ainda mais fortes. Não queria estória com Lourival. Numa bela tarde estava eu lá, batendo um papo com o Velho, só nós dois, quando chega um Opala, placa AF-0001, de São Cristóvão. Do carro, desce Lourival Batista, de shorte preto, camisa aberta, com a pele bronzeada de quem havia acabado de sair da praia. Trazia numa das mãos um “enfieira” de peixes, e na outra um saco plástico com camarões ou siris, não lembro bem.
Eu havia lido os editoriais, e tomei um susto. Mas Lourival não se dirigiu a meu avô, nem a mim. Nos ignorou solenemente, e chamou por minha avó: “D. Dulce, ò D. Dulce”, gritou o senador. Com sua simplicidade angelical, D. Dulce veio lá de dentro da casa: “Oh, Dr. Lourival, como vai o senhor?
- D. Dulce, eu acabei de pescar esses peixes e camarões lá em São Cristóvão, e trouxe para a senhora preparar, como só a senhora sabe fazer divinamente, que eu venho jantar à noite.
Minha avó concordou placidamente. Mas Seu Orlando, ao meu lado, explodiu. “Venha, Lourival. Venha, que eu tenho um porção de carões para lhe dar”. E virando para mim, completou: “É uma peste. A gente quer ficar com raiva desse desgraçado e ele não deixa”.
Desse dia em diante eu passei a admirar o senador. Só lembro que não hora eu pensava: Mas que filho da mãe! Inventou que pescou uns peixes, e vai enrolar o Velho direitinho.
Não deu outra. Lourival foi jantar. Deve ter recebido as maiores broncas que um político sergipano já tomou ao vivo e a cores. Não se incomodou nem um bocadinho com elas. Mas, os outros três editoriais prometidos não foram publicados.


Este artigo foi publicado na GAZETA DE SERGIPE no dia 30 de setembro de 2000, dois dias após a data em que meu avô Orlando Dantas comemoria um centenário, se vivo estivesse.

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